21 agosto 2008

da choraminguice olímpica e outras tretas do género

recambiada para o topo do mundo - onde sobram árvores, lagos e escuridão -, tendo a deixar-me ir e confiar que qualquer grande mudança pela qual eventualmente o mundo passe acabará por me encontrar mais cedo ou mais tarde. meses de clausura seguidos por consumo frenético de jornais, revistas e demais parvoíces do género confirmaram-me já há algum tempo aquilo de que suspeitava: a maior parte do que se perde é barulho que não interessa a ninguém.

embora não faça grande esforço por me manter actualizada, isto não significa que faça o esforço contrário e feche os sentidos ao mundo. vou passando os olhos pelas gordas nos sítios de alguns jornais, pratico um pouquinho de sueco nos diários que se distribuem por karlstad e que acabam por decorar os assentos do autocarro (durante algum tempo ainda tentei o telejornal, mas depressa percebi que a seguir ao segundo cabecear já não estava a aproveitar nada e mais valia poupar o pescoço e ir para a cama), leio com mais ou menos atenção alguns blogues que aceitam espionagem do bicho rss.

nestes últimos deparo-me por vezes com uma convergência de interesses que alguns certamente considerariam cósmica (constou-me que aquela aldrabice d'o segredo também varreu terras lusas) e que eu prefiro atribuir à magia internética*. ultimamente o prato do dia tem sido a particupação portuguesa nos jogos olímpicos. ficaria encantada se toda esta discussão se tivesse gerado em relação ao país anfitrião, mas não. o grande problema não é a violação dos direitos humanos de milhões de pessoas em terras mais a leste, nem sequer a barracada da cerimónia de abertura e o que ela poderá indicar. o grande problema são as desculpas dos atletas portugueses quando não alcançam as medalhas que os grandes atletas de sofá já viam no horizonte - os mesmos atletas de sofá que já haviam de certo afiado a língua e treinado ao espelho aquele toma! de punho fechado a atingir com firmeza a palma da mão aberta ou mesmo, se as mais secretas esperanças (quase certezas) se confirmassem, um valente manguito a tudo e todos. ah!, afinal somos grandes.

goradas as expectativas, viram-se todos para os malvados dos atletas. aqueles mesmos que momentos após verem escapar-se em segundos as razões para dezenas de horas de treinos semanais, vidas sociais arruinadas, relatórios médicos medonhos antecipando velhice dolorosa e outras delícias do género, não conseguem esconder a desorientação e arranjar uma desculpa que seja de jeito. sim, porque uma desculpa todos querem. querem é que seja de jeito.

esgotadas as acusações aos atletas, apenas resta lamentar a triste sina, e mergulhar sem pudor no choradinho do país miserável em que vivemos! que nem nos jogos olímpicos. que ninguém vale um chavo. que até os atletas se esquivam. que só neste país. que grande par de estalos.

há poucas coisas que me arrancam reacção mais forte do que a moda d'o meu país é o pior de todos. é tão irracional quanto a d'o meu país é o melhor de todos, e creio que talvez ainda mais perigosa porque apela à inércia e ao cruzar de braços que o senhor do manguito tão bem caracteriza(va).

que se desenganem todos: os nossos atletas não são mais (ou menos?) do que os outros, nem sequer nas desculpas. o choradinho não é moda exclusiva portuga; não detemos patente. para chatear, vai aqui mais abaixo um recorte do metro sueco, correio dos leitores, de hoje:



tradução (muito) caseira:

atletas de topo escudam-se de responsabilidades na tv

inocentes. nós os suecos somos os mais inocentes/sem culpa/inimputáveis do mundo. se alguém não ganha nos jogos olímpicos a culpa é de outra coisa qualquer, seja lesões, doenças, os outros atletas ou os juízes. se choramos a culpa é dos meios de comunicação. os atletas têm sempre milhares de desculpas, como se vê na tv. admitir responsabilidade e reconhecer a fraca prestação e a superioridade dos vencedores não é cá com os suecos.

* esta da magia é engraçada,
mas fica para depois se me lembrar.

3 comentários:

juicebox disse...

muito bem dito!

o (grande) autor disse...

eu admito que 99% dos nacionais estava à espera do deslize, para empregar o "toma" referido.
eu faço parte do 1% que aplaude o esforço e espera a vitória sinceramente e nao a afoga à partida.
só nao posso aceitar é que se goze com a bandeira nacional, por ser de manha ou se achar que nao vale a pena porque os outros sao mais fortes.
quem dá o que tem...
agora quem nem dá aquilo a que é obrigado, nao merece compreensao.
se a Vanessa nao tivesse ganho qualquer medalha, todos aplaudiriam.
a Naide teve um deslize, todos compreenderam.
mas de manha é muito cedo, nao pode ser.
porque eu, no muito pouco (quase nada) em que posso representar o meu país, faço-o digna e esforçadamente.

beijinhos barcilónicos
:)

purpurina disse...

parece-me que baralhei tudo. é a fúria a sair pelos dedos mais rápida do que as palavras.

não acho que a maior parte das pessoas estivesse à espera do falhanço. acho que estavam era todos à espera duma chuva de medalhas - não consigo perceber bem porquê, até porque tenho a sensação que ninguém (com excepções, claro) ligou peva aos jogos. interessava-lhes somente o número de medalhas, a contagem dos méritos, como se estas fossem de alguma forma servir de confirmação do valor do país ou coisa que o valha.

a partir do momento em que as medalhas não chegaram, criou-se uma frente de combate dirigida aos atletas.

não concordo com o que dizes acerca de gozar com a bandeira. quem vai aos jogos olímpicos vai em representação do país devido à forma como os jogos estão organizados, é certo. mas vai lá por mérito próprio, mais ainda tendo em conta o fraco apoio que o nosso país dá aos atletas. não se chega aos jogos olímpicos dormindo a manhã na cama, e o comentário do marco fortes não pode ser levado à letra. eu não sei bem como reagiria na posição dele. investes a tua vida toda num momento, e nesse instante não consegues fazer o que já consideravas quase rotina. como justificas isso? eu desmoronar-me-ia, e se tivesse de falar com alguém provavelmente mandava um berro ou fazia uma piada parva só para não passar a vergonha de desatar a chorar.

quanto ao não valer a pena por os outros serem mais fortes, isso aí é culpa desta treta toda que se gerou à volta dos jogos. se a única coisa que conta são as medalhas, se um quarto lugar a um ponto do bronze é enxovalhado, se é dinheiro dos contribuintes deitado fora, se é gozar com o país, é claro que não vale o esforço. porque a mensagem que tem passado é que todos quantos não se aguentam num estádio à vista de milhões e não se transformam, qual lagarta em borboleta, num prodígio medalheiro não valem nada. a classificação para os jogos não conta; recordes pessoais ou mesmo recordes nacionais batidos são ninharias, quase vergonhas!, porque há dez gajos que têm 50 vezes mais apoio e que fazem marcas melhores. com toda a gente a empurrar bem para o fundo, custa.

estas atitudes deixam-me tanto mais furiosa quanto são de gente que não percebe um cu do que está a falar e menospreza o esforço e o trabalho CONTINUADO dos atletas enquanto senta confortavelmente o traseiro no sofá.

bom, já chega de exaltações por hoje. acho que vou ali ver se ainda tenho tília para um chazinho :)

beijinhos para o menino em barcelona, e para a minha vizinha ali mais acima - que é vizinha ali mais de baixo. (bom, chá e cama. isto deve ser do sono)