«(...) mete[u]
a mão e conseguiu estragar a única zona de lisboa que continuva
genuína, onde os copos eram baratos e a música sempre a abrir. na porta
ao lado, uma esplanada onde uma loira platinada, casaco de peles
vestido, pinta os lábios. devolvam-me as ruas com as putas gordas, de
lycra justa e banhas a saltar pelo cós, as putas mal fodidas,
desconjuntadas, sem dentes. no americano a música está demasiado alta,
mas é tão bom, a companhia, não a música, que ninguém se importa de
estar aos berros para se fazer ouvir. e o cansaço da semana, de
carregar o mundo às costas há demasiado tempo, pede mais cerveja e
muitos passos de dança. o tóquio parece uma matiné dançante para as
mulheres da ala geriátrica e gozamos com elas, mas há a hipótese de
aquelas sermos nós daqui a 30 anos, nós sem saber envelhecer, mas não,
aquilo é mau demais. o que interessa são as músicas do costume e o
pensamento de que só me faltava ter-te ali para te levar para casa.
danço até passar da hora, mas agora
no novo cais do sodré já não se cumprem horários e a janis já não se
cala quando batem as quatro. preciso de dormir, dormir um mês inteiro
de preferência, e saio para o frio e para o cais que conheço, os bêbados aos
caídos, os putos mal vestidos, as putas nas esquinas, a rua sem um
centímetro de espaço livre. na cabeça um apito interminável e uma névoa
de álcool. amanhã vou estar de ressaca.»
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