07 fevereiro 2007

e agora coisas sérias

estão ver a data que aparece ali em cima? mesmo antes do título? 7 de fevereiro, né? e já quase no fim do dia. o que quer dizer que daqui a nada - 3 dias de nada - abrem as urnas. e eu não vou poder ir.

sempre fui uma indecisa. nunca soube muito bem em que votar, ter de decidir é uma chatice, ai que eu nem conheço bem nenhum dos marmanjos que andam praqui com promessas, e se me enganam?*

em relação à questão da despenalização do aborto nunca tive dúvidas. e nunca pude ir votar.

o primeiro referendo foi no dia dos meus dezoito anos e, embora me tivesse já recenseado, ainda não podia ir (trapalhadas burocráticas e mais sei lá o quê). arranjei solução: negociei o voto com o meu pai (isto não se pode dizer, pois não?). ele não queria ir porque dizia que a escolha era da mulher e que ele não tinha nada a dizer nesse assunto. semanas de discussão infrutíferas resultaram num então vais por mim. faço dezoito anos, sou mulher, quero votar sim e não posso. e ele foi.

desta vez não posso ir porque estou longe e não tenho direito a voto antecipado, nem a votação por carta, nem a ir votar à embaixada ou ao consulado - é só um referendo, não há cá dessas mariquices, aparentemente. (algum abstencionista por aí que queira fazer o jeito?)

já li e vi muita coisa acerca disto. maravilhas da nova era da comunicação. muita parvoíce do lado do não e do lado do sim. o que é natural. esta questão inflama-nos. a mim inflama muito. sempre que tento escrever alguma coisa acerca disto irrito-me. tremem-me as mãos. começo a hiperventilar. não consigo perceber o outro lado. saem-me gritos desproporcionados pelos dedos e tenho vontade de insultar todos quantos andam praí a dizer disparates (barbaridades!), a enfiar panfletos nas malas de crianças inocentes, a servir-se da figura bem-falante para confundirbaralharoqueéqueeledissemesmo, a propôr mudanças de lei ou penitências públicas ou raicoparta. sim, é tudo do lado do não. não sou imparcial nem pretendo ser - não me vou pôr agora aqui a apontar fraquezas do sim, tá?

por partes:

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (...)?"

concordo. a chave aqui é a palavra despenalização. não está lá escrito liberalização, embora haja quem jure a pés juntos que é isso que lá está. mas não é. remeto para o (grande) conhecedor de termos jurídicos aqui. mas há por aí alguém (deve haver, mas aposto que são poucos e que precisam de alguma ajuda psiquiátrica) que ache que uma mulher que aborte tem de ir presa? clamam aos quatro ventos que nenhuma mulher é condenada (o que é mentira). e que a lei deve continuar na mesma, mas sem se condenar nenhuma mulher. esta gente está parva? está bem que isto de cumprir leis é um bocadinho subjectivo em portugal (vejam-se os limites de velocidade e quantos consideram velocidade de cruzeiro um valor que já é considerado crime), mas caberá na cabeça de alguém ter uma lei que diz explicitamente que a mulher grávida que der o seu consentimento ou que pratique um aborto e que a pessoa que a fizer abortar são punidos com pena de prisão até 3 anos e depois, em letra miudinha entre parênteses, escrever: ah, mas isto é assim meio a brincar, está bem? é só para assustar?! e não me venham com conversas anormais dizendo que o aborto vai aumentar se for despenalizado. uma coisa garanto: o aborto legal aumenta de certeza. mas ninguém aborta por gosto.

"(...) se realizada, por opção da mulher (...)"

havia de ser por opção de quem? vamos lá ver as várias hipóteses para um casal, já que anda toda a gente muita aflita com o coitadinho do homem que não tem voz no assunto.

. ambos querem um filho: perfeito. acabou a discussão;

. nenhum quer um filho: quase perfeito. se têm dinheiro vão a espanha. se não têm dinheiro estão lixados. ou arranjam algum e através de alguém que conhece alguém que ouviu falar de qualquer coisa, acabam nalgum sítio escondido a fazer figas para que a mulher saia de lá inteira e a respirar; ou acabam na internet à procura de cházinhos abortivos e maneiras de fazer abortos com lâminas como a brasileira que veio aqui parar há uns tempos; ou a desgraçada da criança acaba por nascer e, com sorte, alguma instituição se ocupa dela - ou os pais ganham o euromilhões -, com azar, acaba no congelador junto ao peru de natal (isto aconteceu onde eu moro);

. a mãe quer o filho, mas o pai não: idealmente ela mandava o homem dar uma curva e tinha a criança sozinha. como não vivemos num mundo ideal, às vezes acaba por abortar na mesma;

. a mãe não quer o filho, mas o pai quer: pronto. aqui é que está o problema. como é que nos desembrulhamos desta? metade da informação genética no feto é pertença do senhor, não? talvez... ainda demora um tempinho até que se possam fazer testes de paternidade. dela é de certeza. e se a vontade dele prevalecesse e no fim ele descobrisse que o puto era do carteiro e cagasse no assunto? era giro. e, admitindo mais uma vez que ele pode decidir, a mulher fica a ser o quê? incubadora? olha, agora aguenta. durante nove meses a alimentar e carregar um ser em crescimento dentro dela, sem o querer? e a criança? um estudo qualquer - não tenho a referência, têm de acreditar em mim - apontava para uma relação entre a saúde da criança e a vontade da mãe que a carrega de a ter. é aquela coisa do amor, parece-me. costuma ser importante quando se cria um filho.

meus queridos, por muito que doa, só as mulheres conseguem fazer crescer um ovo, mesmo que o espermatozóide tenha tido um papel importante na coisa. não dá para dar a volta a isto.

também há por aí quem ache que isso dá um poder desmesurado às mulheres (que, coitadas, são fracas, não aguentam) e que por isso precisam de alguém que as ajude a pensar. tipo comissão autorizadora de abortos, acho. incrivelmente, eu até concordo em parte. vejam mais abaixo na última parte da pergunta.

"(...) nas primeiras dez semanas (...)"

este é um período como outro qualquer. bom, como outro qualquer não. decidiu-se que era o tempo suficiente para a mulher se aperceber da gravidez, reflectir sobre o assunto e, no caso de assim o decidir, interromper a gravidez em segurança. em muitos países o período é de doze semanas, mesmo mais noutros sítios. definiu-se assim. concordo que assim seja. concordaria com um prazo mais alargado, mas decidiu-se este. a objecção de o aborto às dez semanas e um dia continuar a ser penalizado é acéfala. parece réplica de escola primária a acabar com uma língua de fora. e nem vou dizer mais nada sobre isto.

"(...) em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

esta parte é muito importante. numa manobra que nem sei classificar, o senhor marques mendes andava a querer mudar a lei depois do referendo, se o não ganhar. como é que é? ah e tal, sou contra agora, mas depois de 11 de fevereiro despenalizamos. ãh? o problema parece que é esta parte do estabelecimento de saúde legalmente autorizado. não percebo. querem o quê? despenaliza-se, mas quem precise de fazer um aborto continua a ter de ir a espanha ou ao vão de escada mais próximo?

o facto de se poder proceder à interrupção da gravidez num estabelecimento de saúde legalmente autorizado tem várias vantagens. entre as mais importantes, terá condições médicas (dignas e seguras) e permitirá um acompanhamento das mulheres que a ele recorrem - acompanhamento médico e planeamento familiar (olha aqui a parte da comissão autorizadora de abortos. nem a estavam a ver, hein?). esta intervenção junto das grávidas tem, quanto a mim, dois aspectos muito importantes: será possível apresentar opções à mulher que ela, num momento de desespero, poderia nem ter considerado; e permite ensinar. o senhor júlio machado vaz concorda comigo.

isto leva a que morram menos, se estropiem menos com cabides enfiados vagina acima, engravidem menos sem quererem, e abortem menos. só se ganha, não?


a resposta é sim!

(isto está um bocado grande. e não disse tudo.)

mais ligações:

a lei em vigor

o aborto em portugal - estudo da apf


*sempre lá fui. acho uma grande falta de respeito por todos quantos morreram e sofreram a lutar para que toda a gente tenha direito ao voto, sem discriminação de sexo, raça ou credo, não ir. existem outras opções fora dos quadradinhos sem ser a abstenção. assim de repente, sem sequer pensar muito, lembro-me do voto em branco e do voto nulo. e há sempre castanhas ou farturas à porta, por isso pode ser passeio.

4 comentários:

Helena Velho disse...

...pois é referendo não vale o que valem umas eleiçõezitas, não é'?
Não pode votar e é triste mas, e este mas não é um cruzar de braços, teve pelo menos uma grande virtude: Manifestou a SUA OPINIÃO!!! e isso, com todo o valor intrinseco, TEM MUITO VALOR
Bj. e certamente que o bom senso vai prevalecer sobre os autistas do costume.

M. da Silva disse...

ah mujer! Gosto de ti!

O que me irrita nisto tudo é que ha por ai muitas boas pessoas a dizer que "há sim, deve ser despenalizado", mas não vao votar..."ah nao é preciso!"

Isto tambem me anda a irritar! E ouvir um gajo de 30 anos a gritarme aos ouvidos "eu sou pela vida, eu sou pela vida, VIDA VIDA VIDA" quando já não tem argumentos, fez-me ter ainda mais certezas de que o meu voto é SIM!!!

Porque por muitos filhos que eu queira e vou ter (so quero dois...chega...lol), se por muito azar, me aparecesse um agora....bem...teria que ir a espanha...A sorte é que ate ha dinheiro...

É triste ter que abortar, mas acho que pior é viver sem ser amado... E nem a morte dos nossos pais se pode comparar ao facto de nos abandonarem à nossa sorte à nascença, ou serem encontrados mortos numa lixeira (outra coisa que aconteceu na tua terra...), ou serem desprezados pelos pais a vida toda (outro caso bem próximo...)...

Voto sim ao aborto! Porque as que usarem o aborto como mais uma forma de contraceptivo, e o andarem a fazer de cabeça limpa e "na boa" têm o seu castigozinho mais tarde...Pode acontecer como um caso que sei que neste momento está na duvida se tem que tirar o utero ou nao...e quando encontrar a pessoa certa pa ter os filhos certos (pk de todos os que teve para ter, 2 estao vivos e mal amados, sobrevivem pk o irmao e a vizinha tratam deles...) nao hade ter forma de os ter e sera bem feita!

As pessoas que fazem as coisas mal feitas são castigadas que Deus não dorme. Por isso abortar tem que ser legal para aquela que o merecem!

Enfim...Tanto pra se dizer ne...

purpurina disse...

cara maria velho

espero que realmente prevaleça. tenho medo que ganhe a indiferença. pior ainda, receio que a confusão que foi crescendo em portugal em relação a este assunto tolde o discernimento dos que ainda se preocupam. estou longe, apenas me chegam farrapos do que se passa por aí, mas parece-me que ninguém conseguiu esclarecer o assunto (eu tampouco, inflamo-me demais). e fico com medo que continue a haver muita gente a responder não ao aborto, quando a pergunta não é essa nem nunca poderia ser.

ou então, confusões como a daquela senhora que respondeu a uma jornalista que aborto nunca, que era uma vergonha; agora desmanchos, bom, isso já era outra conversa.

milinha

tens razão, há muito para se dizer. e a questão é muito complicada. não é sim ou não, como se terá de responder no domingo. mas o sim, quanto a mim, é a única resposta possível para que se possa pensar seriamente no assunto quando e se a grande pergunta surgir no caminho de alguém.



beijinhos para as meninas.

M. da Silva disse...

as sondagens dizem que "sim"....Vamos la a ver o que diz a realidade...hmmm...